Todo mundo que já passou por um inventário sabe que os trâmites não são rápidos e simples.
Ainda que exista concordância de todos os herdeiros, as burocracias inerentes ao procedimento acabam tirando a paciência de todos os envolvidos até a efetiva partilha dos bens.
Além disso, muitas vezes o que é estipulado por Lei para a devida partilha dos bens não anda lado a lado com a real vontade da pessoa que acumulou patrimônio durante toda uma vida.
Sendo assim, depois de vivenciar ou de acompanhar alguém próximo que passou por um inventário conturbado, sempre surge esse questionamento: tem como evitar o inventário?
A resposta é que sim, é possível evitar o inventário ou, pelo menos, diminuir a carga que ele terá sobre todos os bens deixados. Isso é feito através de um planejamento sucessório, que será mais bem explicado ao longo deste artigo.
Partilha em vida: o que é?
A partilha em vida é um dos diversos instrumentos que existem dentro de um planejamento sucessório.
Ela é muito interessante, pois, sendo efetivada, não existe a necessidade de abrir inventário em face de posterior falecimento.
No entanto, antes de correr para o cartório e efetivar essa partilha, é importante entender alguns pontos referentes ao instrumento em si.
Quando uma pessoa decide fazer a partilha em vida, ela está decidindo doar todos os seus bens e valores. No entanto, como ela ainda possui uma longa vida pela frente, não pode ficar desamparada, sem ter um imóvel que lhe garanta moradia, por exemplo, ou o recebimento de aluguéis de outros imóveis que possua.
Sendo assim, é comum fazer a doação com cláusula de usufruto vitalício, que dá o direito de uso, posse, administração e percepção de frutos (aluguéis, por exemplo) pelo usufrutuário, que fez a doação dos bens.
Assim, apesar da propriedade ser transferida ainda em vida, as coisas continuam da mesma maneira para o doador, que se torna usufrutuário. É uma proteção para ambas as partes.
Ou seja, a situação dos bens muda no papel, mas no mundo dos fatos continua a mesma.
Quais são as limitações da partilha em vida?
Um instrumento jurídico pode facilitar a vida das pessoas, mas não pode passar por cima da Lei.
Sendo assim, ao fazer uma partilha em vida de seus bens, o doador precisa se atentar para não violar a legítima.
A legítima é a parte reservada por Lei para os herdeiros necessários, que representa 50% do patrimônio total deste doador. Assim sendo, dentro desses 50%, a partilha em vida precisa respeitar o percentual atribuído por Lei para cada herdeiro, como seria feito em caso de inventário.
Os herdeiros necessários são: cônjuge, ascendentes e descendentes.
Sobre os outros 50%, o doador pode fazer o que quiser. Pode privilegiar um dos filhos, pode privilegiar o cônjuge, pode doar para um amigo, uma instituição, como bem preferir.
Vejamos um exemplo para que fique clara a situação:
João possui três filhos e seis apartamentos, sendo todos os apartamentos no mesmo valor.
Ao optar por fazer uma partilha em vida, João decide privilegiar um dos três filhos, que sempre esteve ao seu lado quando precisou, enquanto os outros sempre foram mais distantes.
Assim, João doa um apartamento para o filho 1, um apartamento para o filho 2 e um apartamento para o filho 3, respeitando a legítima, pois esses três apartamentos correspondem a 50% do seu patrimônio total.
Com relação aos outros três apartamentos, João pode fazer o que quiser. Sendo assim, a fim de privilegiar o filho 1, que sempre foi o mais presente, resolve doar todos os três apartamentos para ele.
Ou seja, em sua partilha em vida, o filho 1 fica com quatro apartamentos enquanto os outros dois filhos ficam com um apartamento para cada.
Esse tipo de partilha em vida é legalmente possível, pois foi respeitada a legítima e o instrumento foi utilizado para privilegiar um dos filhos, seguindo a vontade do doador.
Qual a vantagem econômica na partilha em vida?
Financeiramente falando, sabemos que um inventário não costuma ser barato.
Além das custas (de cartório ou judiciais), também precisam ser pagos os honorários do advogado, o imposto de transmissão causa mortis e, ao longo do procedimento, precisam ser mantidos e conservados os bens.
O imposto de transmissão causa mortis varia de estado para estado, mas as suas alíquotas costumam ser altas e já existem projetos visando o aumento do percentual.
Estima-se que, ao final de um processo de inventário, cerca de 20% dos bens deixados pelo falecido sejam utilizados para pagar os custos aqui relatados.
Ao fazer uma partilha em vida, a economia é evidente, principalmente quando falamos sobre o imposto de transmissão, pois a alíquota de doação costuma ser muito menor que a alíquota de transmissão causa mortis (diante do falecimento, em inventário).
Na Bahia, por exemplo, a alíquota de doação é fixa em 3,5% do valor do bem, enquanto a alíquota de transmissão diante de falecimento chega a até 8%.
Além dessa comparação, existe a questão da previsibilidade. Como existem projetos para majorar o percentual das alíquotas, aproveitar o que, em vida, nos é apresentado, parece ser o caminho mais certeiro e econômico possível.
Não vai precisar mesmo de inventário depois?
Se todos os bens foram partilhados em vida e nada sobrou para ser partilhado após o falecimento, não existe razão para abertura de inventário.
No entanto, caso o doador, que realizou a partilha em vida, tenha acumulado mais patrimônio após a efetivação da partilha, esse patrimônio ainda não dividido poderá ser objeto de inventário, se outro instrumento mais simples não puder ser escolhido.
Preciso de advogado para fazer a partilha em vida?
Não é obrigatório, por Lei, o acompanhamento de advogado(a) para fazer uma partilha em vida. No entanto, é recomendado.
É comum chegar até o nosso escritório casos em que foram feitos planejamentos sucessórios de maneira equivocada pelas partes, como doações faltando cláusulas essenciais ou testamentos dispondo de mais do que poderiam dispor.
Assim, os instrumentos acabam sendo anulados posteriormente e a vontade do doador que foi expressa em vida é desconsiderada, pois a Lei passa a se impor.
Dessa forma, para evitar surpresas lá na frente, é importante que as partes interessadas em realizarem um planejamento sucessório se consultem com um(a) advogado(a) especialista antes de irem até o cartório.
É aquela velha história: o barato pode sair caro.
Quando se lida com bens que foram construídos durante toda uma vida, é bom ter cautela e se cercar das informações corretas para que nenhum erro acabe prejudicando a intenção do proprietário. Esses erros, muitas vezes, não podem mais ser corrigidos depois.
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Como funciona um processo de inventário judicial? [atualizado 2022]
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