Meu marido recebeu uma indenização trabalhista. Tenho direito?

Vamos imaginar o seguinte cenário:

João é casado com Maria no regime da comunhão parcial de bens desde o ano de 2015. Também neste ano, João passou em um processo seletivo e foi chamado para trabalhar na empresa X.

Apesar da empolgação com o novo emprego, que lhe remunerava razoavelmente bem, João percebe que algumas irregularidades estão sendo realizadas logo nos primeiros meses.

João, então, passa a chegar em casa mais tarde todos os dias, pois é obrigado a fazer horas extras no trabalho sem receber por elas. Além disso, João também não está recebendo as gratificações que tinham sido prometidas no momento inicial de contratação.

De outro lado, Maria, sua esposa, tenta auxiliar de todas as formas possíveis.

Deixa tudo pronto no jantar, para que João chegue em casa e se preocupe com o mínimo de coisas possível. Continua se esforçando para animá-lo, visto que partilham uma vida, objetivos, sonhos em comum.

Maria também trabalha, como autônoma, e diante da falta de pagamento das gratificações de João, acaba precisando pagar algumas contas a mais para manter o padrão de vida da família.

No ano de 2020 João resolve sair do emprego e, diante de tantas abusividades cometidas durante os anos em que trabalhou lá, inicia um processo trabalhista contra seus antigos empregadores, requerendo horas extras e gratificações que deixou de receber ao longo dos anos.

Ocorre que, no ano de 2021, João e Maria resolvem se separar. A indenização trabalhista está prestes a sair.

Será que Maria terá direito à essa indenização também?

 

Um fator a ser observado: o regime de bens eleito pelo casal.

No caso em análise estamos falando sobre o regime de bens mais comum no direito brasileiro, a comunhão parcial de bens.

Esse é o regime que se aplica a todo e qualquer casal que não queira optar por outro regime através de pacto antenupcial.

No regime da comunhão parcial de bens, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com algumas exceções previstas em Lei.

Uma dessas exceções se refere aos “proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge”, o que pode confundir muitas pessoas neste momento.

A interpretação dessa exceção não é feita de maneira literal. Se assim fosse, um cônjuge não teria praticamente direito a nada do outro, visto que normalmente é com os frutos do trabalho de cada um que se junta dinheiro e se adquirem bens móveis e imóveis.

A interpretação correta desse artigo se dá com relação ao provento imediato. Ou seja, não se pode comunicar com o outro cônjuge o valor mensal recebido a título de salário, pois este é exclusivo daquele que recebe, direcionado para a sua subsistência.

Eventual acúmulo, no entanto, é partilhável.

Partindo também desse pensamento, percebemos que as verbas que serão recebidas pelo cônjuge em face de processo judicial ajuizado, são verbas devidas acumuladas.

Então, sim, o cônjuge vai ter direito ao recebimento dessas verbas também.

 

Qual o fundamento para que as verbas sejam partilhadas?

O entendimento sobre este assunto já foi pacificado pelo STJ, razão pela qual não existe motivo para discussão sobre o tema no caso que estamos tratando, de João e Maria.

O fundamento técnico para isso é que a indenização trabalhista é um direito adquirido pelo cônjuge ainda na constância do casamento. Isto porque, o que gerou o seu direito ao recebimento da indenização aconteceu enquanto João ainda estava casado com Maria.

Logo, se tratando do regime da comunhão parcial de bens (ou da comunhão universal, que não é o exemplo trazido), esses valores também fariam parte do acréscimo de capital de Maria, se tivessem sido pagos no momento correto, enquanto ainda eram casados.

Assim, tendo o fato gerador desse direito acontecido durante o casamento, enquanto os bens ainda comunicavam, seria injusto se Maria deixasse de aproveitar deste patrimônio por conta do trâmite de um processo judicial trabalhista.

Saindo apenas da parte técnica e indo para a lógica da questão, se as horas extras trabalhadas e a gratificação acordada tivessem sido pagas normalmente, sem abusividades por parte da empresa X, João certamente teria contribuído mais em casa, nas contas e na aquisição de bens que reverteriam em proveito da família.

No entanto, diante da sua situação no emprego, quem acabou sendo sobrecarregada foi Maria, que além de precisar pagar maiores contas na casa, também contribuiu afetivamente ao longo do relacionamento, construindo algo em conjunto.

Se João não visualizava o casamento desta maneira, deveria ter se preocupado em realizar um pacto antenupcial, elegendo outro regime de bens, como o da separação convencional.

Como não o fez, deve aceitar o que diz o regime da comunhão parcial de bens.

 

Quando a mulher passa a ter direito?

No caso hipotético que estamos analisando, João ingressou com a ação judicial trabalhista no ano de 2020. No ano de 2021, João e Maria resolveram se separar.

Neste momento, Maria se sente injustiçada, pois acredita que, ao sair de casa, não terá direito de receber essa indenização trabalhista, visto que ela ainda não teria ido para o bolso de João.

Nesse aspecto, Maria está enganada. O seu direito já existe, independente de sair de casa ou permanecer.

Para algumas pessoas, diante do que já foi narrado nesse artigo, pode parecer óbvio. No entanto, para muitas mulheres, não é.

Normalmente esse é o cenário dos casos que chegam aqui no escritório. Mulheres que vivem em uma situação de violência psicológica dentro de casa, com medo de saírem e perderem algum direito, como o recebimento das verbas trabalhistas que o marido está para receber.

No entanto, isso não existe. Para mais informações sobre o tema, leia: “A mulher que sai de casa perde direitos?”.

Sobre a indenização trabalhista a ser recebida, é importante destacar que o fato gerador é o que importa, conforme dito em tópico anterior.

Logo, se o marido deixou de receber verbas ao longo do casamento e ingressou com a ação judicial, o fato gerador já aconteceu, sendo direito desta mulher receber metade da indenização no momento da partilha de bens no divórcio.

 

Em resumo:

Então, em resumo, se a violação dos direitos trabalhistas do cônjuge aconteceu durante o casamento ou união estável no regime da comunhão parcial de bens e este buscou a justiça, quando a indenização trabalhista sair – independente se ainda estão casados ou não neste momento – a mulher terá direito à metade da indenização.

Ainda sobre o tema divórcio, não deixe de ler: 5 coisas sobre o divórcio que toda mulher precisa saber.

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É possível anular a doação de um imóvel?

Vamos imaginar a seguinte situação: Pedro é pai de Maria e Joana.

Durante toda a sua vida, Maria sempre foi uma filha mais próxima, que cuidou do pai, ajudou e esteve presente. Joana, por sua vez, apesar de também ajudar quando necessário, sempre foi mais distante.

Querendo demonstrar gratidão para Maria por sempre ter ficado por perto, Pedro resolve doar seu único imóvel, um apartamento de dois quartos, para Maria.

Pedro vai até o cartório e efetiva a doação.

5 anos depois, Pedro falece. Diante do falecimento de Pedro, Joana, ao reunir a documentação para abrir o inventário, descobre que o único imóvel pertencente ao seu pai foi doado para sua irmã… e que ela só ficaria com parte de alguns valores deixados em sua poupança.

Diante dessa situação, seria possível anular a doação do imóvel? Joana poderia buscar um(a) advogado(a) para isso?

A resposta é que sim, é possível. Vamos entender um pouco melhor, de maneira simples e direta, como funciona a doação de pai para filho(a).

 

Para Pedro fazer a doação, Joana precisaria ter concordado?

Essa é uma dúvida muito comum, pois em casos de venda de imóvel de pai para filho(a) a Lei estabelece que todos os outros filhos precisam concordar expressamente para que a venda aconteça.

No entanto, em caso de doação, esse consentimento não precisa existir.

Isto porque, considera-se que a doação é um adiantamento da herança. Ou seja, Pedro, ainda vivo, quis adiantar a parte da herança de Maria para ela, fazendo isso através de uma doação.

Assim, os outros herdeiros não precisam opinar sobre o adiantamento de algo que, em tese, já pertenceria à Maria.

O problema nesse caso é que Pedro se equivocou… e acabou adiantando uma parte da herança que não pertencia somente à sua filha Maria, pois pertencia também à sua filha Joana.

 

O que é a legítima e por que ela interfere nessa doação?

A legítima é a parte da herança reservada por Lei aos herdeiros necessários (nesse caso, as duas filhas). Ela corresponde à metade dos bens do espólio.

Acontece que, o espólio só existe em face do falecimento de alguém. É o conjunto de bens deixados pela pessoa, a massa patrimonial que ainda não foi dividida antes ou durante um processo de inventário.

No caso que estamos analisando, ao fazer a doação, Pedro ainda estava vivo.

No entanto, a legítima não passa a existir apenas no momento do seu falecimento, como acontece com o espólio. A legítima sempre esteve ali e sempre precisou ser respeitada.

Pedro, antes de fazer a doação, certamente não consultou um(a) advogado(a). Foi direto no cartório e achou que tudo estava bem. Inclusive, faleceu acreditando nisso.

Acontece que, quando fez a doação do seu único imóvel para apenas uma de suas herdeiras, Pedro desrespeitou a legítima.

Exatamente por este motivo, a doação pode ser anulada.

 

Como acontece a anulação da doação deste imóvel?

Após o falecimento de Pedro, somente no momento de abrir o inventário Joana descobriu a doação que havia sido feita para sua irmã 5 anos atrás.

Assim, ela ainda estava em prazo para discutir essa doação, visto que a Lei determina que o prazo para anular doação inoficiosa (a doação que ultrapassa a legítima) é de 10 anos a partir da realização da doação em si.

O primeiro passo de Joana seria buscar um(a) advogado(a), pois é necessária uma ação judicial para desfazer a doação realizada.

Neste caso, sendo de fácil comprovação a doação excessiva realizada por Pedro, é possível que possa ser discutida a sua anulação no próprio processo de inventário, gerando uma economia processual.

Se o caso fosse mais complexo, demandando provas técnicas e testemunhais, seria necessária uma ação diferente, além do processo de inventário.

Se tratando de um caso mais simples, Joana precisaria trazer no processo de inventário a comprovação da doação que foi feita pelo seu pai para Maria, quando aquele era o único imóvel existente na época em que ele efetuou a doação.

O imposto de renda do ano onde foi realizada a doação é uma ótima prova, pois demonstra todo o patrimônio que Pedro possuía à época.

 

Mas a doação é anulada completamente?

Digamos que, no nosso exemplo, Pedro possuía este imóvel avaliado em 500 mil reais na época em que fez a doação.

Além do imóvel, Pedro possuía mais 200 mil reais em sua poupança.

Logo, o patrimônio total de Pedro no momento exato da doação era de 700 mil reais.

Como já vimos anteriormente, Pedro só poderia ter doado metade disso, pois a outra metade deveria ser respeitada, se tratando da legítima, protegida por Lei.

Então, Pedro poderia ter doado o equivalente a 350 mil reais para sua filha, Maria.

Tendo em vista que Pedro doou o valor de 500 mil reais, referente ao seu único imóvel, o montante que excede aquilo que poderia, de fato, ser doado, equivale a 150 mil reais.

Sendo assim, conforme previsto em Lei, a referida doação só seria nula no que excede a legítima, no momento da doação.

Ou seja, Joana só poderia anular parte da doação, o equivalente à proporção de 150 mil reais do imóvel doado para sua irmã.

O restante da doação é válida e continuará pertencendo a Maria, considerando que, no momento de realizar a doação, Pedro tenha trazido expressamente a dispensa de colação.

 

Em resumo

Então, em resumo, o que você precisa saber sobre anulação de doação:

  1. É plenamente possível, dentro do período de 10 anos a partir da data em que foi feita a doação.
  2. Para que seja anulada, ela precisa ser inoficiosa – ou seja, extrapolar a legítima.
  3. O cálculo do que extrapola a legítima (explicado no texto) é feito de acordo com o patrimônio que o doador tinha na época da doação.
  4. A anulação não será de toda a doação, apenas da parte que extrapola.

Ainda sobre esse tema, se você é da Bahia, leia o artigo doação de bens na Bahia: como fica o imposto?

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