Quais são os direitos de quem casa na separação obrigatória de bens?

 

Por conta do nome “separação”, muitas pessoas acreditam que não existem direitos na separação obrigatória de bens… e não é bem assim.

 
 

O que é o regime da separação obrigatória de bens?

 

Como o próprio nome já diz, é um regime de bens obrigatório, ou seja, imposto por Lei. Algumas pessoas, em determinadas situações, são obrigadas a adotarem esse regime para que possam se casar.

Para os que se casam nesse regime, teoricamente não existe meação, ou seja, em caso de divórcio não existirá nada a ser dividido por Lei. Essa regra possui uma exceção que será trazida mais para frente.

Já no campo do direito sucessório, em caso de falecimento, o cônjuge sobrevivente não será herdeiro do falecido se existir algum herdeiro necessário vivo (filhos ou pais).

Mas antes de entender sobre partilha de bens, vamos falar sobre quais casais são obrigados a casar nesse regime.

 

Quem é obrigado a se casar nesse regime?

 

Pessoas com mais de 70 anos

 

A situação mais comum é a das pessoas que se casam com mais de 70 anos. Quem casa ou constitui união estável com mais de 70 anos automaticamente entra no regime de bens da separação obrigatória.

 

Causas suspensivas de casamento

 

Outra situação é a de pessoas que se casam sem observar as causas suspensivas de celebração de casamento.

Exemplo de causas suspensivas: uma pessoa que acabou de ficar viúva e teve um filho com o falecido, enquanto não for feita a partilha do inventário. Isso serve para não confundir os bens oriundos do casamento anterior com os do casamento atual, resguardando os herdeiros.

Outro exemplo: mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da dissolução. Por qual motivo deve esperar dez meses? Para ver se está grávida.

Mais um exemplo: o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal. Mais uma vez, tentando proteger a mistura de patrimônio com um novo relacionamento.

Último exemplo: o tutor ou o curador e seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a curatela ou tutela, e não estiverem saldadas as respectivas contas.

Dessa forma, evita qualquer tipo de tentativa do tutor/curador de livrar-se da prestação de contas enquanto administra o patrimônio de outra pessoa.

 

Suprimento judicial

 

Por fim, são obrigados a casar no regime da separação obrigatória aqueles que dependerem de suprimento judicial.

Exemplo mais comum: pessoa de 16 anos que quer se casar, mas os pais não concordam. Se ela se casa através da permissão de um juiz (suprimento judicial), vai ser no regime da separação obrigatória (podendo alterar depois dos 18 anos).

Essas são todas as hipóteses onde um casal pode ser obrigado a adotar o regime da separação obrigatória de bens.

 

Existe algum direito para quem casa nesse regime?

 

Finalmente, chegamos no ponto prometido desse artigo. Sim, existem direitos na separação obrigatória de bens, mas eles vão depender do caso concreto.

Isto porque, existe uma súmula do STF, a Súmula 377, que diz: “no regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento”.

Ora, a partir dessa leitura muitas pessoas ficam confusas. Se vão se comunicar os bens adquiridos na constância do casamento, não seria uma comunhão parcial de bens disfarçada?

Não, porque a interpretação dessa súmula não é literal.

A interpretação atual do que está sendo dito ali é a seguinte: vão se comunicar os bens adquiridos na constância do casamento a partir do esforço em comum do casal.

E o que seria esse esforço em comum?

Contribuição. Se bens foram adquiridos ao longo do casamento e existiu contribuição de ambas as partes, esses bens deverão ser repartidos entre o casal.

A questão mais complexa dentro dessa súmula é entender os tipos de contribuição que existem. Grande parte da doutrina e jurisprudência, além de muitos advogados, tendem a acreditar que a contribuição aqui explanada seria a contribuição direta, financeira.

Ou seja, só consideraria a existência de esforço em comum se os dois tivessem colocado dinheiro nos bens adquiridos.

No entanto, as coisas não podem ser assim, principalmente pelo fato de que o direito de família e o afeto andam lado a lado, criando, inclusive, diversas relações jurídicas. Não é só o dinheiro que é visto como contribuição, mas vamos falar sobre ele primeiro.

 

Contribuição direta

 

A contribuição direta nada mais é do que o dinheiro em si, aquilo que pode ser comprovado através de notas fiscais, transferências, depósitos… os valores investidos pelo casal para adquirir um bem.

Sendo dessa forma, ela é indiscutível (ainda que alguns tentem discutir, apenas para ter uma sentença judicial) e, na proporção investida por cada um no bem adquirido, ele será partilhado em eventual divórcio.

Por se tratar de contribuição financeira, é facilmente mensurável, pois tratamos sobre algo palpável. A contribuição indireta, por sua vez, não é.

 

 

Contribuição indireta

 

A contribuição indireta, ao contrário da contribuição direta, não pode ser calculada, não pode ser mensurada, quantificada.

Ela geralmente é realizada pela parte que se dedica ao cuidado do lar, as mulheres na sua grande maioria. Isto porque, a contribuição indireta é uma contribuição moral, psicológica e afetiva, as quais normalmente são menosprezadas pela sociedade.

No entanto, não deveriam ser. O cuidado e a manutenção da paz de um lar impactam diretamente na vida financeira daquele que trabalha fora da casa. Encontrando um ambiente pacífico e organizado, o parceiro que trabalha fora pode desempenhar com maestria o seu trabalho e acumular patrimônio, auxiliado indiretamente pelo trabalho de cuidado daquela que desempenha todo o trabalho interno na casa.

A dedicação de uma das partes durante anos e anos para um relacionamento, principalmente naqueles casos em que um dos dois precisa parar de trabalhar para cuidar dos filhos do casal, não pode ser invisibilizada.

A discussão vem surgindo cada vez mais na doutrina e jurisprudência, contando com novos apoiadores e decisões favoráveis, mas é necessário que você busque um(a) advogado(a) qualificado(a) para esse tipo de tese, que tende a ir além do direito em si.

 

 

Conclusão

 

A conclusão que podemos chegar a partir desse artigo é a de que, em determinadas situações, quando existir contribuição direta e/ou indireta para construção de patrimônio ao longo do relacionamento, esse patrimônio deverá ser dividido entre o casal diante de eventual divórcio. Ou seja, existem direitos na separação obrigatória de bens.

De igual forma, deverá ser dividido na partilha de um inventário, em caso de falecimento.

A contribuição direta se trata de dinheiro, de investimento palpável, que pode ser mensurado.

A contribuição indireta, por sua vez, é o trabalho de cuidado da casa, dos filhos, uma contribuição moral, psicológica e afetiva que, muitas vezes, é indispensável para que um dos cônjuges tenha sucesso financeiro.

Nada mais justo do que dividir algo que foi construído a partir disso também, não acham?

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Atualização 2024:

Novo julgamento do STF declara: “Nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no art. 1.641, II, do Código Civil, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes, mediante escritura pública”.

Entenda como escolher o regime de bens com mais de 70 anos ou alterar o regime de bens, caso já tenha existido o casamento, clicando aqui.

Por que aqueles casados na separação obrigatória de bens devem fazer testamento?

Se você é casado na separação obrigatória de bens, então você deve saber que, por Lei, seu marido ou sua mulher não são seus herdeiros em caso de falecimento. Inclusive, também não serão meeiros, ou seja, não receberão nenhuma divisão de bens. A única coisa que receberão será a parte proporcional daquilo que vocês construíram em comum durante a vida de casados.

O mesmo vale para a união estável, que se equipara ao casamento.

No decorrer desse artigo eu vou te explicar em quais situações um casal é obrigado a se casar no regime da separação legal, qual o intuito dessa imposição, a razão pela qual muitos juristas não concordam com essa obrigatoriedade e, por fim, o grande problema que esse tipo de regime apresenta para as mulheres.

 

 

Quem é obrigado a se casar no regime da separação legal?

 

Sem adentrar nas especificidades de cada item, vamos falar sobre as hipóteses onde um casal é obrigado a se casar no regime da separação obrigatória (ou legal) de bens.

A primeira situação é quando o casal está sendo impedido relativamente por Lei. Isso quer dizer que essas duas pessoas não “devem casar”, mas não é proibido. A situação mais conhecida é aquela onde um dos cônjuges possui mais de 70 anos de idade.

Outras situações que podem acontecer são:

O viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros.

O divorciado, enquanto não tiver sido finalizada por completo a partilha de bens do casal.

O tutor ou curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela e não estiverem saldadas as respectivas contas.

A viúva, até dez meses depois do começo da viuvez.

A mulher que teve seu casamento nulo ou anulado, até dez meses depois disso.

Todos aqueles que precisarem de autorização de um juiz para se casar também não poderão escolher o regime de bens.

Essas são as pessoas que são obrigadas por Lei a casar no regime da separação legal de bens. Nos próximos tópicos, vou abordar a situação mais comum dentre essas que foram trazidas: a situação do maior de 70 anos, que é impedido de escolher qual será o seu regime de bens.

 

E se eu me casar com uma pessoa que tem mais de 70 anos?

 

O regime imposto será o da separação obrigatória, e você só terá direito sobre aquilo que contribuiu e construiu em conjunto.

A intenção do legislador, certamente, foi a de proteger as pessoas mais idosas de outras pessoas interesseiras, que poderiam estar interessadas apenas na herança que seria deixada pelo companheiro.

No entanto, apesar de ter o intuito de proteger, essa disposição em Lei acaba por discriminar esses idosos, que possuem discernimento para escolher o regime de bens do seu casamento/união estável e viver com as consequências da decisão.

Mesmo diante disso, até o presente momento é assim que acontece, não há como driblar essa situação.

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Como funciona a pensão alimentícia na prática?

Cálculo da pensão alimentícia

Principais fatores que devem ser levados em consideração no momento de calcular a pensão alimentícia e o que acontece depois do cálculo.

Como deve ser realizado o cálculo da pensão?

 

Ao contrário do que muitos pensam, a pensão alimentícia não deve ser dividida de maneira igual entre pai e mãe. Para realizar o cálculo da pensão, é necessário levar em consideração três fatores: a possibilidade de quem paga, a necessidade de quem recebe e a proporcionalidade entre os pais.

Para que o tema seja bem compreendido, vou dar um exemplo de família e vamos seguir nesse exemplo para entender o cálculo da pensão.

Vamos imaginar que um pai trabalha com carteira assinada e recebe cerca de R$10.000,00 por mês. A mãe, por sua vez, também trabalha com carteira assinada e recebe R$2.500,00. O filho possui necessidades básicas que giram em torno de R$3.000,00. Pois bem, como eu faria esse cálculo na prática?

O pai recebe 4x mais que a mãe. Dessa forma, partindo da ideia de proporcionalidade, o valor pago a título de pensão alimentícia deverá ser 4x maior para o pai do que para a mãe. Sabemos que o genitor com o qual a criança reside não paga a pensão alimentícia obrigado por Lei para o outro, mas precisará contribuir para o sustento do filho, é disso que estou falando aqui.

 

Então, como ficaria o cálculo na prática?

 

A mãe deveria contribuir com o valor de R$600,00, já que recebe apenas R$2.500,00. De outro lado, o pai deveria contribuir com R$2.400,00, pois recebe R$10.000,00. Percebem como a conta fica justa? Nenhum dos dois foi absurdamente sobrecarregado dentro dos valores que recebem todo mês.

Acontece que o cálculo aqui ilustrado é o ideal, é o que deve ser apresentado para o juiz diante de um processo judicial. No entanto, sempre dependemos da decisão de um terceiro, do julgador, quando precisamos acionar a justiça para determinar a pensão alimentícia. Assim, em um caso como esse, precisa existir uma argumentação muito bem detalhada para demonstrar a sobrecarga da mãe caso o valor arbitrado não seja calculado com base na proporcionalidade aqui demonstrada.

 

O que deve ser feito depois de realizar o cálculo da pensão alimentícia?

 

Bom, o cálculo é o ponto de partida inicial, antes mesmo de decidir ajuizar a demanda de alimentos.

A partir do resultado do cálculo, é possível chamar o outro lado para tentar compor um acordo, sem que a decisão precise ficar nas mãos de um terceiro alheio à família. Em qualquer questão envolvendo famílias, é de extrema importância tentar realizar um acordo antes de ingressar com a demanda judicial.

A preservação dos laços, a diminuição do desgaste das partes e até mesmo a diminuição de custos são fatores importantes e que precisam ser analisados. Nessas horas, é importante contratar um profissional que não possua um perfil combativo, mas que busque cooperar com o advogado do outro lado para que seja realizado o melhor acordo possível para aquela família.

Caso seja viável realizar um acordo, basta solicitar posteriormente a homologação do juiz (isso significa que o juiz irá dar o ok, o Ministério Público também vai dar o ok e, após isso, o acordo passará a valer).

No entanto, sabemos que nem sempre é possível realizar um acordo. Nesse caso, de fato será necessário buscar a justiça e ajuizar uma ação de alimentos.

 

E depois da decisão ou homologação do acordo de pensão alimentícia, o que acontece?

 

Bom, nesse exemplo que estamos seguindo, o pai recebe salário em conta.

A partir daí, será expedido um ofício para o local onde ele trabalha e os valores da pensão passarão a ser descontados diretamente do seu salário. Inclusive, outra informação importante é: a pensão incide sobre o 13º salário e o terço constitucional de férias.

No caso de pais assalariados, costuma ser arbitrado um percentual para ser descontado. Isso é bom, porque o valor acaba acompanhando a progressão salarial. Nesse caso, entendo que o percentual deveria ser de aproximadamente 24% (que representaria R$2.400,00).

Os valores serão depositados na conta da mãe, que irá administrar a pensão para atender todas as necessidades da criança.

Em outro artigo, vou trazer os pontos que não podem faltar em um acordo de pensão alimentícia para garantir a paz de quem recebe. Assine a newsletter para receber no seu e-mail sempre que eu publicar um artigo novo!

Por enquanto, te convido a ler os demais artigos do blog, principalmente esse daqui, onde falo até quando o filho deverá continuar recebendo pensão.

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Padrasto pode ser pai, madrasta pode ser mãe. Vamos falar sobre filiação socioafetiva?

Tudo que você precisa saber para reconhecer o seu filho afetivo.

 

Introdução

 

Um dos principais pilares do direito de família, hoje, é o afeto. Acredito que não poderia ser diferente, pois, ao falar sobre famílias, falar sobre esse sentimento é natural.

A questão principal é que o afeto, ao longo dos anos, passou a criar situações de fato que necessitavam de regulamentação jurídica. Por esta razão, o direito veio acompanhando a evolução da sociedade e passou a permitir o reconhecimento da filiação socioafetiva, ou seja, permitiu que padrastos e madrastas reconhecessem como filhos os seus enteados.

Destaco, logo de início, que esse reconhecimento não está limitado aos padrastos e madrastas, mas é sobre eles que esse artigo vai tratar.

O que visualizamos nos últimos anos é a transmutação do afeto de um sentimento ao status de valor jurídico, como diria o Ilustre Doutrinador Conrado Paulino em sua obra “direito de família contemporâneo”.

É sobre esse tema que vamos falar aqui hoje, para esclarecer um pouco melhor para você os requisitos desse tipo de procedimento, as possibilidades (em cartório ou judicial) e os efeitos desse reconhecimento de filiação socioafetiva.

 

O que é a posse do estado de filho?

 

A cultura de criar uma pessoa “como se filho fosse” não é novidade para ninguém. A novidade foi o reconhecimento desse fato como algo jurídico.

O Enunciado n. 519 das Jornadas de Direito Civil diz que: “o reconhecimento judicial do vínculo de parentesco em virtude de socioafetividade deve ocorrer a partir da relação entre pai(s) e filho(s), com base na posse do estado de filho, para que produza efeitos pessoais e patrimoniais”.

Trata-se, basicamente, de observar a situação fática ali existente através da teoria da aparência. Quando as pessoas visualizam um agrupamento familiar onde residem pessoas que se comportam enquanto pais e, por outro lado, uma ou mais pessoas se portando como filhos, não existem meios de saber a origem da filiação, se é biológica ou socioafetiva.

Por essa razão, a posse do estado de filho caracteriza a paternidade de afeto, sendo, então, uma relação afetiva, íntima e duradoura, caracterizada pela reputação frente a terceiros, como se filho fosse, e pelo tratamento existente na relação pai (mãe) – filho.

Inclusive, nosso Código Civil permite a existência da filiação socioafetiva, pois leciona em seu artigo 1.593: “parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”.

Bom, essa “outra origem” abre precedente justamente para estabelecer como parentesco civil todo aquele que tiver origem diversa da filiação natural, também chamada de biológica.

Para finalizar este tópico, antes de adentrarmos nas questões práticas sobre o reconhecimento de filiação socioafetiva, importante salientar que o reconhecimento voluntário é irrevogável, pois o vínculo de filiação não pode ficar sujeito a instabilidades da vontade daquele que registrou. Ou seja, não pode um pai socioafetivo registrar o filho e, depois de alguns anos, desistir do registro.

O interesse do filho deve ser respeitado e colocado em primeiro lugar, jamais o do genitor.

 

Quando posso fazer o reconhecimento em cartório?

 

O reconhecimento em cartório depende muito da idade do filho. Se ele tem entre 12 anos e 17 anos e 12 meses, vai precisar da autorização do menor e da presença dos pais biológicos no cartório, concordando com o procedimento. Além disso, mesmo sendo feito em cartório, vai passar pela análise do Ministério Público, já que envolve interesse de menor de idade.

Se o filho possui mais de 18 anos, o procedimento pode ser feito em cartório sem a necessidade da presença e concordância dos pais biológicos.

 

 

Quais provas devo levar para o cartório?

 

O ponto principal desse tipo de questão é demonstrar a relação de afetividade por todos os meios em direito admitidos, bem como por documentos, para não restarem dúvidas de que aquelas duas pessoas se tratam como se filho e pai (ou mãe) fossem.

Dessa forma, os documentos que norteiam esse tipo de demanda são:

– apontamento escolar como responsável ou representante do aluno;

– inscrição do pretenso filho em plano de saúde ou em órgão de previdência;

– registro oficial de que residem na mesma unidade domiciliar;

– vinculo de conjugalidade – casamento ou união estável – com o ascendente biológico;

– inscrição como dependente do requerente em entidades associativas;

– fotografias em celebrações relevantes;

– declaração de 2 testemunhas com firma reconhecida (ou tomadas as declarações no próprio cartório, devendo comparecer com documento oficial);

Lembrando que, os documentos podem variar de cartório para cartório e, na grande maioria das vezes, não são todos obrigatórios, sendo aceitos outros tipos de documentos que demonstrem o vínculo existente entre as partes.

 

Quando eu preciso fazer o reconhecimento pela via judicial?

 

O reconhecimento de filiação socioafetiva precisa ser feito judicialmente quando o filho possui entre 12 anos e 17 anos e 12 meses, mas os pais biológicos não concordam com o reconhecimento. Além disso, deve ser feito judicialmente quando se trata de uma criança menor de 12 anos.

É importante ter em mente que o interesse a ser analisado pelo julgador é o da criança. Portanto, mesmo que os pais biológicos discordem, se restar comprovado que o pai afetivo possui, de fato, um vínculo desse tipo com a criança, o juiz muito provavelmente irá reconhecer a filiação socioafetiva.

Vejam que, na prática, a criança só tem a ganhar. Terá mais uma pessoa em seu núcleo familiar, o que significa mais afeto, mais amor. Além disso, terá direito à prestação de pensão alimentícia, questões sucessórias (herança), possuirá relações de parentesco com os parentes dos pais afetivos, direito de convivência familiar, irrevogabilidade da paternidade ou maternidade, tudo exatamente igual ao que tinha com relação ao pai biológico (e que continuará tendo, em face da multiparentalidade que veremos no próximo tópico) .

No caso concreto, o mais importante de se comprovar é que a criança e o pai afetivo se tratam como se pai e filho fossem, sendo dessa maneira reconhecidos pela sociedade (pessoas que os cercam). Se esse pai afetivo possui outros filhos, é de extrema importância demonstrar que não existe qualquer discriminação entre o filho afetivo e os seus filhos biológicos, sendo todos tratados de maneira igual.

Na via judicial, é muito possível que exista um estudo por parte da equipe interdisciplinar para auferir se existe a posse do estado de filho, se a criança identifica a pessoa como pai. Geralmente, a primeira visita será marcada e a segunda visita não terá aviso prévio.

O procedimento não costuma ser complexo e demorado, mas pode sofrer alguns atrasos quando os pais biológicos estão em desacordo. No entanto, faço questão de lembrar mais uma vez: no caso concreto, o juiz vai observar o melhor interesse da criança, independente do que os pais biológicos querem que seja feito.

 

Ao reconhecer meu filho afetivo, ele automaticamente perde o vínculo com o pai biológico?

 

Não, isso não precisa acontecer.

A consagração da afetividade como direito fundamental subtrai a resistência em admitir a igualdade entre a filiação biológica e socioafetiva. Dessa forma, uma mesma pessoa pode possuir mais de um pai (ou mãe) registrado em seus documentos, sem distinção perante a lei. O que é celebrado pela doutrina e jurisprudência modernas é o afeto, elemento norteador da constituição de novas formas de família, que avançam com a sociedade.

O próprio STF, na Repercussão Geral 622 (RE 89806), acolheu a multiparentalidade ao consagrar a relevância jurídica da socioafetividade, reconhecendo a inexistência de hierarquia entre a paternidade socioafetiva e a biológica.

A partir de uma decisão desse tipo, o STF reitera seu papel no campo do direito de família, pois passa a enxergar todas as diferentes formas de famílias existentes, que vão muito além daquelas previstas nas nossas leis e códigos.

Nas palavras da Ilustre Doutrinadora Maria Berenice Dias, “Ninguém duvida que famílias multiparentais sempre existiram e continuarão a existir. A diferença é que até recentemente eram condenadas à invisibilidade. A exclusão de direitos é resultado de uma perversa tentativa, de não ver o que foge do modelo do espelho. E esta falta de visão só vem em prejuízo dos filhos, que amam os seus pais, todos eles”.

Portanto, é absolutamente possível que uma pessoa tenha dois pais ou duas mães. Um pai pode ser afetivo, o outro pai pode ser biológico mas, nos documentos do filho, não existirá qualquer distinção. De igual forma, os direitos e deveres inerentes à paternidade/maternidade serão os mesmos, já que não existe diferenciação para ambos os lados.

 

Conclusão

 

Diante do que vimos nesse breve artigo, concluo dizendo que, felizmente, a doutrina e jurisprudência estão cada vez mais se adequando às situações de fato vistas diariamente em nossa sociedade.

A relevância da socioafetividade para a consolidação desse tipo de relação e o reconhecimento de que uma pessoa pode ter dois pais ou duas mães apenas traduz para o direito algo que já acontecia na realidade das pessoas e que precisava de regulamentação legal.

Por ser algo relativamente novo, muitas pessoas não sabem da existência desse tipo de procedimento e passam toda a vida sem formalizar uma questão tão importante como essa. A consequência disso, muitas vezes, é a necessidade por parte do filho afetivo de ingressar com uma ação de reconhecimento de filiação socioafetiva post mortem, ou seja, após o falecimento dos seus pais, para figurar como herdeiro em um processo de inventário, por exemplo.

Esse, inclusive, pode ser o tema de um próximo artigo publicado aqui no site.

A partir dessa afirmação, quero apenas demonstrar para você a importância da informação, da divulgação de questões jurídicas para que os cidadãos pleiteiem seus direitos de maneira organizada, preventiva, sem precisar remediar uma situação que pode, inclusive, ser resolvida por meio de cartório, como vimos em um dos tópicos anteriores.

Espero que o artigo tenha retirado suas dúvidas sobre o tema. Também recomendo a leitura de um artigo já publicado aqui, sobre exoneração de alimentos, tendo em vista que o tema filiação conversa diretamente com a questão da pensão alimentícia.

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